O GAÚCHO

O GAÚCHO

Al Neto / Fundador do CTG Barbicacho Colorado

O notável escritor norte americano Edward Larocque Tinker, em seu famoso livro LOS JINETES DE LAS AMÉRICAS (editorial Guillermo Kraft, Buenos Aires), escreve textualmente:

“El Temor y asombro inspirados por los caballos de los conquistadores permitieron a un puñado de heroicos españoles conquistar todo un continente; y más tarde, fue el gaucho del Rio de La Plata y Brasil, el guaso de Chile, el Ilanero de Venezuela, el vaquero de México e el cowboy de los Estados Unidos quienes, cabalgando sobre los descendientes des estos primeros caballos hispanicos, ensancharon las fronteras e hicieron posible el grande desarrollo agrario e industrial que siguió-las huellas de sus cascos”

Aí está, implícita, a definição de gaúcho. O gaúcho não é unicamente o indivíduo natural do Estado do Rio Grande do Sul; esse é o riograndense do sul. O gaúcho é o homem cavaleiro das Américas, que recebe na Argentina e no Uruguai o nome de gaucho; no Brasil, gaúcho; no Chile, guaso; na Venezuela, llanero; no México, charro; e nos Estados Unidos, cowboy.

Outro autor de destaque, John A Crow, oferece a seguinte definição do gaúcho em seu livro EPIC OF LATIN AMERICA (Dobleday and Co. Inc., New York):

“Gaúcho é o campesino do Rio da prata e do Sul do Brasil, muito destro no domínio do cavalo e treinado e eficiente nos trabalhos da pecuária.”

O escritor Francês Godofredo Daireaux, em seu livro TIPOS E PAISAGENS CRIOULOS (P. Hermanos Moetzely Co., Buenos Aires). Define o gaúcho da seguinte maneira:

“Gaúcho é o homem cavaleiro da América do Sul. Ele pode ser considerado como o centauro dos pampas, e sua vida está intimamente ligada ao cavalo e ao campo.”

Um oficial da Marinha Norteamericana, Thomas S. Page, que dirigiu uma expedição enviada para explorar o Rio da Prata e seus tributários em 1850, escreveu um livro intitulado LA PLATA, THE ARGENTINE CONFEDERATION, PARAGUAY AND SOUTHERN BRAZIL (Doubleday and Co. Inc., New York), em que define o gaúcho nos seguintes termos:

“O gaúcho é o homem do campo por excelência, que não se acostuma a viver nas cidades, cuja existência está limitada pelos horizontes imensos do pampa, pelo cavalo, pelo chimarrão e pela consciência de liberdade.”

Esse aspecto do amor do gaúcho pela liberdade, aliás, se encontra numa velha copla que diz:

“Gauchos no llevan calzones
Pero usan chiripa;
Con un letrero que dice:
Libertad, libertad, libertad!”

Alexandre Dumas (pai) escreveu um livro intitulado MONTEVIDÉO OU A NOVA TRÓIA, (Krakt, Buenos Aires) no qual define o gaúcho em forma novelesca. Diz ele:

“Em todas as aventuras dos campos da América do Sul se encontra a figura inconfundível do homem cavaleiro, daquele que enfrenta a vida sem temores e sem hesitações: o gaúcho.”

No livro EL CHARRO MEXICANO, Don Carlos Rincón Gallardo (Librería de Porrua Hermanos, México City), escreve textualmente:

“O charro mexicano, como o cawboy dos Estados Unidos e o gaúcho, é o vaqueiro, é o homem ligado ao campo e ao gado, o homem que existe para enfrentar a intempérie, o vento, a chuva, o trovão e tomar conta dos animais. Ele, que inicialmente era simplesmente um caçador de reses, tornou-se um verdadeiro protetor de ecologia.”

Bertha Muzzi Sincler escreveu um livro notável chamado COW COUNTRY (Little Brown and. Co. Boston). Nesse livro ela fala do gaúcho dizendo que encontrou na América do Sul e que jamais havia visto homem tão amigo da independência, da liberdade e da vida ao ar livre.

“O gaúcho – escreve ela – não pode viver dentro de casa. Para ele, a única forma de viver é no campo e ao ar livre, no lombo do cavalo.”

Walker D. Wyman em THE WILD HORSE OF THE WEST (The Caxton Printers, Caldwell, Idaho) descreve o gaúcho como um complemento do cavalo, e vice-versa. Diz ele:

“Nas planícies da América do Sul, o cavalo nada significa se não fosse o homem. Mas o homem também valeria quase nada se não fosse o cavalo. Pois o cavalo é o elemento que o homem usa para dominar o ambiente.”

Em idioma português, talvez a obra definitiva sobre o gaúcho seja o grande livro de Madaline Wallis Nichols, escrito sob o patrocínio da Duke University Press, de Durham, na Carolina do Norte, Estados Unidos. Para realizar esta obra magnífica, a senhora Nichols não apenas passou vários anos na América do Sul como também compulsou e estudou uma bibliografia de nada menos que 1.431 obras, segundo explica no prefácio do livro, na edição brasileira, publicada por Zélio Valverde AS o Escritor Castilhos Coycochea.

Castilhos Coycochea diz também que “foi a autora de THE GAUCHO quem encontrou a incógnita por tantos buscada. Americana, mas de outro hemisfério, não se deixou empolgar em qualquer sentido, quer para glorificar o já legendário cavaleiro sul-americano, quer para denegri-lo.”

Um dos pontos mais interessantes da obra da senhora Nichols está em afirmar que o gaúcho não existe em todo o Rio Grande do Sul. Ela afirma que nas regiões coloniais não existem muitos gaúchos. Ela acentua, e muito bem, o fato de que o gaúcho não é uma designação de nacionalidade, ou de origem territorial, mas simplesmente a designação de uma estirpe, de um ser humano que existiu e existe em vários locais, não limitados por fronteiras políticas nem idiomas.

Confirmado o fato de que o gaúcho não tem uma pátria definitiva já Felipe de Haedo, em 1778, em sua monografia DESCRIPCIÓN DE LA COLONIA YPUERTOS DEL RIO DE LA PLATA AL NORTE Y SUD DE BUENOS AIRES (Revista Del Rio de la Plata nº3) faz referência à uma classe de homens que não possuíam bem imóveis nem verdadeiras condições para se fixar em qualquer lugar. Estes homens vagavam de província em província cruzando da Argentina para o Brasil e do Brasil para o Uruguai e daí também de volta para a Argentina, sempre levados pelo seu amor ao jogo, ao cavalo e ao campo.

Em 1780 o vice-rei Juan de Vertiz, como conta em seu livro MEMÓRIA, (Arquivo General de Buenos Aires, nº462) relata que os gaudérios (como se chamavam então os gaúchos) lhe estavam causando muitas perturbações, pois passavam para o Uruguai e para o Brasil, sendo espertos contrabandistas.

A senhora Nichols, que é professora de história e de espanhol no Gaoucher College, de Maryland, nos Estados unidos, leva o seu estudo até os dias atuais para concluir que o gaúcho é o cowboy da América do Sul com uma diferença: pouco respeito pela lei.

De fato, o gaúcho nunca se destacou por ser um respeitador da Lei. E isso é assim porque seu principal apanágio foi sempre o amor à liberdade. Sempre desconfiado com o governo, certo de que era um injustiçado, ele tinha pouco respeito pelos representantes dos poderes públicos. Neste sentido, nenhuma obra é mais relevante do que Martin Fierro, que nos conta as andanças de um gaúcho perseguido pela lei.

Quando se fala aqui em gaúcho o essencial é recordar que não se trata de um toponímico. É um termo que designa certo tipo humano, bem diferenciado dos demais por suas características étnicas, por seus costumes e por sua filosofia de vida.

Dentro deste ponto de vista, é o gaúcho quem vive como gaúcho, e suas origens justificarem o nome. Assim, um peão de estância, cujo pai e avô já foram peões de estância, e cujas raízes estão ligadas ao campo, que toma chimarrão, que monta bem a cavalo, que só se sente à vontade nos grandes espaços abertos das fazendas e que é emérito trabalhador com bovinos, esse riograndense é um gaúcho. Mas, aquele que não sabe cevar um chimarrão e cujas mãos nunca bolearam um laço; que não sabe montar a cavalo nem castrar um terneiro – esse certamente não é um gaúcho.

Diante destas premissas compreende-se que quando se fala de um movimento de Tradição Gaúcha não se está falando de um movimento restrito a um Estado ou País. A maior parte dos gaúchos vive nos países do Rio da Prata, na Argentina, no Uruguai e no Rio Grande do Sul. Mas há uma área minoritária, menor, bem menor que a do Rio Grande do Sul, mas nem por isso menos autêntica: a área do Planalto Catarinense.

É fácil nos remontarmos às origens históricas da colonização do planalto catarinense. Os primeiros brancos que aqui chegaram foram precisamente os gaúchos, que viveram junto com jesuítas espanhóis. Eram gaúchos, não simplesmente riograndenses. Aqui estabeleceram as primeiras vacarias por volta do ano de 1655. Somente 100 anos depois é que Morgado de Mateus, premido pela necessidade de tomar conta deste território em nome do Rei de Portugal para aqui mandou Correia Pinto, a fim de fundar a cidade de Lages.

Nos arquivos da Província dos Jesuítas, em Buenos Aires, existem trechos reveladores da tentativa de colonização espanhola no território de São Pedro. Isso foi nos tempos dos Sete Povos. Quando Correia Pinto chegou à Lages aqui achou um punhado de gaúchos, que o foram encontrar. Mas estes gaúchos não falavam português e sim espanhol. Correia Pinto mandou cercá-los, a homens, mulheres e crianças, e passá-los pelas armas. E disse a frase histórica:

“Que as caveiras fiquem ao sol para escarmento do castelhano!”

O rio das caveiras, que delimita o perímetro urbano da cidade Lages, conserva esse nome como memória àquelas palavras de Correia Pinto.

É conveniente lembrar que Lages, e boa parte do planalto catarinense estavam no lado castelhano na linha das Tordesilhas, que passava por Laguna. Assim não de surpreender que os espanhóis viessem até aqui. Mas Portugal nunca reconheceu a linha das Tordesilhas, e por isso os Bandeirantes sempre procuraram empurrá-la mais para o sul. Posteriormente, através da mediação do Papa, Portugal e Espanha firmaram o tratado de Santo Ildefonso, que dirimiu a questão. Por esse tratado, no ano de 1777, Portugal entregava à Espanha a colônia de Sacramento, o Uruguai de hoje, e recebia em troca estas terras que haviam sido colonizadas no Brasil pelos espanhóis. A barganha foi completa e definitiva, e o planalto catarinense integrou-se tanto de fato como de jure no território brasileiro.

Mas Lages, como outras partes do planalto de Santa Catarina, possui uma origem gaúcha bem nítida. Repetimos que a Expressão gaúcho aqui não se refere aos naturais do Rio Grande do Sul e sim aos primeiros povoadores desta terra, que foram legítimos gaúchos de origem espanhola, liderados pelos jesuítas.

Existe toda uma filosofia de vida embutida na expressão gaúcho. Já dissemos anteriormente que o gaúcho é, até certo ponto, refratário à lei. Isto é perfeitamente explicável se se considera os desmandos dos poderes imperialistas nas origens da América do Sul. O gaúcho foi talvez aquele que mais lutou contra o imperialismo, levado sempre pelo desejo de liberdade, pelo seu ideal de manter-se longe dos grilhões do Estado.

Não é por acaso que o maior clássico da literatura gaúcha (e note-se que não dizemos meramente Argentina) é Martin Fierro, de José Hernandez. Martin Fierro nada mais é do que a epopéia de um homem livre que lutava contra as imposições de um Governo de tendências ditatoriais.

Quem fala em tradição gaúcha fala também em tradição de liberdade. Por isso o movimento tradicionalista tem tamanha importância, já que ele acentua verdadeiramente os princípios da liberdade em toda esta parcela da América do Sul.

Recolhido por Mário Arruda

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